Tendo
aprendido as noções básicas do jogo, o jogador irá perceber que os
lances da abertura, quando quase todas as peças ainda estão no
tabuleiro, freqüentemente determinam o desenrolar da partida e em
alguns casos o seu final.
Uma
partida de xadrez é, de certo modo, semelhante a uma confrontação
militar onde, como se sabe, em muito depende não somente da capacitação
técnica e dos equipamentos das tropas, mas também da capacidade
dos comandantes de antever o desenvolvimento da batalha
e posicionar suas forças de modo a engajar as mesmas nos
momentos e na ordem mais favoráveis. É por isto que cada jogador que
controla a movimentação dos seus exércitos de madeira
deveria conhecer os princípios básicos da abertura.
É bem
sabido que qualquer partida de xadrez pode ser anotada e preservada
para a posteridade. Um enorme número de partidas foi escrito ao longo
da história do xadrez, e a sua análise ajudou a desenvolver todas as
nuances da estratégia das aberturas.
Eu
não pretendo abordar todas as aberturas e as suas características, o
que seria ama tarefa impossível em face da abundância de informações.
Eu vou limitar-me a descrever alguns princípios gerais a serem
seguidos e como evitar um desastre.
O
Primeiro Princípio
"A
abertura é ganha pelo jogador que desenvolve as peças
mais rapidamente. Esta é uma regra básica e é muito importante
aplicá-la corretamente."
Vamos analisar um exemplo simples:
1.e3
e5
2.Bc4
Cc6
3.Df3
Bc5
4.Dxf7#
Parece
que as Brancas fizeram tudo corretamente - desenvolveram duas peças
e deram xeque-mate. Ainda assim, esta linha de jogo merece
críticas. O primeiro movimento é fraco. O quanto é importante ocupar
o centro do tabuleiro com os próprios Peões. Isto tem de ser feito na
abertura, de modo a posicionar as peças do modo mais favorável. É por
isso que o lance e4 é mais forte e mais lógico que o lance e3. Eu
quero reforçar mais uma vez o que disse, que é importante tentar
dominar as casas com Peões, especialmente as casas centrais.
O
segundo lance das Brancas (2.Bc4) não é tão fácil de se contestar,
embora ele não tenha tantos méritos. A experiência das gerações
anteriores nos indica o melhor método para desenvolvermos nossas
peças: primeiro avançar os Peões para o centro, depois mover os
Cavalos, seguidos dos Bispos e só então as peças mais fortes - as
Torres e a Dama. No nosso exemplo o Bispo saltou direto para uma
posição importante, mas sem atentar para as conseqüências de um
possível lance 2... d5 das Pretas, em que elas obteriam um forte
Peão central e forçariam o Bispo Branco a recuar para
posições inferiores, tais como d3, e2, b5 ou b3.
O
xadrez é um jogo de lógica, e uma combinação de jogadas tímidas como
1.e3 e agressivas como 2.Bc4 não faz nenhum sentido e como tal
merece ser castigada.
As
Pretas retrucaram 2... Cc6, que deve ser encarado como um
lance regular, não sendo de modo algum o mais forte possível, dada
a situação. É verdade que o lance 2... Cc6 está de acordo com
os princípios de desenvolver rapidamente as peças, mas ele
não cria problemas para as Brancas, o que seria o caso do lance 2...
d5!. O terceiro lance Branco 3.Df3 parece eficiente, mas
um enxadrista experiente não o teria executado; mais até, ele
nem mesmo o consideraria.
Se
as Pretas reagissem corretamente com 3... Cf6! a jogada da
Dama Branca teria sido em vão. E além disso a Dama Branca ao ocupar
a casa f3 priva o Cavalo do Rei de uma boa casa para agir,
deixando ao mesmo nenhuma escolha senão ocupar um papel passivo na
casa e2 ou mover-se para h3, para longe do combate no centro.
A peça mais poderosa do jogo, a Dama, não deve entrar na
batalha de modo apressado, sob o risco de ser caçada pelas peças
menores do adversário, com ganho de tempo.
Com
relação à jogada das Pretas 3... Bc5??, ela é lógica apenas sob uma
ótica formal (as Pretas desenvolvem uma segunda peça na seqüência
correta), pois ela perde a partida. O fato é que as Pretas não
levaram em conta a ameaça real representada pelo adversário. Você
pode ver o quanto se pode aprender a partir da análise de uma partida
muito breve e cheia de erros mútuos. Nós ilustraremos o
primeiro princípio o do desenvolvimento rápido das peças, com uma
partida disputada há mais de um século.
J. Schulten - E Morphy
Nova York 1857
1.e4
e5
2.f4
Esta
é uma abertura antiga e romântica, que recebeu um belo nome, "O
Gambito do Rei". Ela em geral define o jogo através de um rápido
avanço das peças. A teoria moderna crê que a melhor defesa aqui é um
contra-ataque, o que foi claramente demonstrado pelo talentoso
jogador americano Paul Morphy.
2...
d5!
3.exd5
e4!
Tomar
quaisquer dos Peões não seria bom, as Pretas tentam ganhar tempo e
desenvolver as suas peças colocando-as nas casas planejadas.
4.Cc3
Cf6
5.d3
Bb4
6.Bd2
e3!
Trata-se
de um sacrifício de Peão ousado e com vistas ao desenvolvimento
futuro, já que a Torre irá ocupar a coluna do Rei após o roque.
7.Bxe3
O-O
8.Bd2
Bxc3
9.bxc3
Te8+
10.Be2
Bg4
11.c4?
Podemos dizer, com um grau de confiança razoável, que esta jogada é particularmente prejudicial às Brancas. Seria preferível livrar-se da cravada na coluna do Rei, de preferência com 11.Rf2. Mas as Brancas desejam manter um Peão a mais no centro.
11... c6!
12.dxc6?!
Ainda não era tarde para jogar 12.Rf2 ou l2.h3. Ainda com uma vantagem material, as Brancas permitem que o seu adversário desenvolva o Cavalo da casa b8 com muita eficácia, e aí a vantagem das Pretas se toma esmagadora, na parte mais importante do tabuleiro.
12... Cxc6
13.Rf1
É difícil dar bons conselhos para as Brancas. 13.Bc3 Cd4 14.Bxd4 Dxd4 15.g3 pode ser retrucado com 15.Txe2+ 16.Cxe2 Te8 com um ataque decisivo. Parece que após 12.dc?! não há defesa para as Brancas.
13... Txe2!
14.Cxe2 Cd4
Toda a ação se passa na coluna do Rei, onde a cravada vertical tem um papel decisivo. Pois de fato as ameaças colocadas sobre esta coluna forçaram as Brancas a atrasar a retirada do seu Rei da clavada. Agora segue-se uma nova pequena combinação, transformando a cravada vertical em uma ainda mais perigosa, diagonal.
15.Db1 Bxe2+
16.Rf2 Cg4+
17.Rg1
O Rei começa a correr para todos os lados sentindo a iminência do desastre. Eu recomendaria, a todos os que querem desenvolver as suas habilidades de ataque, a deixar este post de lado por uns 20 ou 30 minutos e tentar achar sozinhos uma vitória rápida para as Pretas, só então retornando ao post e comparando a sua decisão com a que foi tomada por Paul Morphy.
17... Cf3+
18.gx3f Dd4+
19.Rg2 Df2+
20.Rh3 Dxf3+
21.Rh4 Ce3
22.Thg1 Cf5+
23.Rg5 Dh5#.
Fonte: Aprenda xadrez com Garry Kasparov
Nenhum comentário:
Postar um comentário